sexta-feira, 25 de março de 2011

PERFIL: Homenagem póstuma a yalorixá Francisca Andrade de Souza



                    Francisca Andrade de Souza ou Mãe Tiquinha, como era conhecida por todos, foi uma das importantes sacerdotisas da religião de matriz africana em Areia Branca. Sua casa era freqüentada por pessoas de todas as partes do estado que vinham em busca de ajuda espiritual. Alegre, acolhedora, gentil, ela recebia todos de braços abertos, sempre com um clássico sorriso nos lábios. 
                   Mãe Tiquinha possuía o arquétipo das mulheres fortes que luta pelo que quer e que não foge dos combates. Venerada pelos seus filhos de santo e por todos que a conheciam.
              Proclamada como grande yalorixá da nossa tão querida terrinha, ela foi responsável juntamente com o seu esposo José Pedro (in memorian) por trazer o culto nagô para a salinésia, desta feita quando se iniciaram na nação dos Egbá, através do babalorixá Heleno Medeiros de França mais conhecido como Pai Nino da Mustardinha (in-memorian). 
             Ela sempre carregou a bandeira da sua religião com o orgulho de ser uma sacerdotisa do culto ao orixá. Ousada, aberta as mudanças e as convenções, apesar do pouco grau de escolaridade que tinha, mas detentora de um nível de intelectualidade excepcional. Uma mulher que tinha o coração maior que o próprio corpo, caridosa, incapaz de negar ajuda a quem a procurava.  Mãe e amiga de todos os seus filhos, mas também austera quando estes procuravam fugir da doutrina aplicada por ela. Filha de Omolu com Yansãn e Mestra no culto da jurema sagrada.  
               Sua vida foi interrompida por um trágico acidente automobilístico ocorrido no dia 9 de setembro de 1992. Foi um dia nefasto na história de Areia Branca. A cidade foi surpreendida com a notícia do acidente e morte da grande Iyá que partiu deixando saudades aos seus familiares, seus inúmeros filhos de santo e amigos. Ela se foi, mas deixou um expressivo espólio religioso, além memoráveis lembranças da sua passagem aqui pela terra. Sua missão acabou aqui no mundo das formas físicas, mas, continuou no mundo da luz onde brilhará e iluminará a todos os filhos que aqui deixou na orfandade espiritual. 
                 Sua casa não teve continuidade porque o seu herdeiro e filho biológico Pedro Neto não se encontrava em condições de assumir tão elevado cargo, por isso abdicou do mesmo, lamentavelmente, fechando as portas da casa. Durante o Asese (ritual fúnebre), foi dado caminho a todos os fundamentos da casa de Mãe Tiquinha, bem como sua família de orixá, com exceção apenas de Omolu que era o orixá dono da sua ori, que não quis caminhar para natureza, mas, sim, queria ser cultuado e ficou sendo criado por um filho da casa que a partir de então passou a zelar pelo mesmo em um cômodo construído em sua residência. Contudo, o orixá passou menos de um ano sob o zelo de Paulo Cesar que, impossibilitado de continuar a prestar culto ao orixá ofereceu-o a casa de Yemojá Sàbá, onde continua até os dias de hoje a ser venerado. 
                    Lamentamos que casa como a de Mãe Tiquinha tivesse sido fechada.  Um tesouro que foi enterrado junto com o cadáver dela, o resultado de todo um trabalho feito ás custas de muito suor, muito sacrifício e muito amor. A sua casa de axé ainda era pra estar em pleno funcionamento ou, pelo menos que tivesse sido transformada num museu onde sua historia pudesse ser contada. 
                Guardo no meu baú de memória a imagem de mãe Tiquinha acostada pela bela, arrebatadora e fascinante Yansãn, num momento de rara beleza e essa imagem levarei para o túmulo quando minha missão acabar aqui na terra.
           “Oh, grande mãe, você partiu me deixando saudades; saudades dos ensinamentos que você nem teve a oportunidade de me oferecer em vida; saudades do convívio que na realidade não tivemos; saudades de tempos que nem existiram de fato, mas que estão bem guardados no meu subconsciente (...)”.  Mãe receba essas honras postumárias, escrita por este humilde redator que lhe pede sua benção!
Homenagem publicada na primeira edição do Jornal Axé em Noticia em setembro/2008
Por Noamã Jagun

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